Nesta segunda-feira (26 de julho) é comemorado o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura.
A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1997, mesmo dia em que foi assinada a Convenção Internacional contra a Tortura. A data, além de apoiar as vítimas dessa repulsiva prática, combate a execução da tortura por parte do Estado.
Durante esta semana, a Defensoria obteve uma vitória importante no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) no que tange a questão, com a anulação da condenação de três réus da Vara de Delitos e Organização Criminosa em razão da prática de tortura pelos agentes estatais. As provas obtidas, no ato da prisão, foram desconsideradas e os mesmos foram absolvidos das penas que haviam sido estabelecidas pela sentença do magistrado de primeiro grau.
Conforme os testemunhos contidos nos autos, um dos réus teve a casa invadida pelos agentes, que ingressaram na residência com a finalidade de obterem provas acerca da ocorrência de crime. Segundo depoimento, o primeiro acusado teria sido amarrado e torturado com uma toalha úmida em seu rosto, afogamentos e sofrido agressões físicas para confessar onde estavam as provas, bem como revelar a localização dos demais. A fala dos réus foi endossada por testemunhas que confirmaram a truculência dos policiais.
A defensora pública Carolina Chaib, à época responsável pela instrução do processo, relata que todos os réus foram unânimes nos relatos de torturas das mais variadas formas.
- Desde ser amarrado e espancado com toalha molhada até usarem saco na cabeça para faltar o ar, seguidos de murros, tudo isso em busca de algo que os incriminasse. Um deles, o que os policiais dizem ter sido abordado na calçada, estava dormindo com a esposa, e ela também foi agredida. Uma das testemunhas relata inclusive agressão a um filho dos acusados, que levou um tapa na cara”, expõe a defensora.
O crime de tortura consiste-se em constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, por vezes, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou localização de terceira pessoa. O que ficou configurado nos autos: após coação dos agentes, foi encontrada uma arma de fogo e entorpecentes na residência, e o réu foi preso. Além disso, outros dois acusados também foram levados ao cárcere em razão daquilo que o primeiro havia revelado. Nos autos do processo, registra-se ainda uma fotografia onde os acusados com adesivos do Cotar (Comando Tático Rural) e Cotam (Comando Tático Motorizado) na boca.
A ação dos agentes foi denunciada e o órgão de disciplina da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Ceará e o Ministério Público, nas suas respectivas atribuições para a investigação necessária e possíveis punições.
A Defensoria destaca que houve estranheza com o fato de a audiência de custódia só ter sido realizada , dias após a prisão (dia 01 de fevereiro de 2019), sendo que o crime foi datado em 26 de janeiro de 2019. Mesmo assim, ficou constatada as agressões e determinou a realização do exame de corpo de delito, porém, o resultado não constava no processo. Chaib ressalta a importância de que o Estado seja combativo à tortura.
- Nosso Estado Democrático de Direito não admite esse tipo de conduta. Que a polícia siga fazendo seu trabalho mas de forma direita, não se valendo de tortura, prática que há muito se abomina”, reitera.
Responsável pela apelação vitoriosa no processo, o defensor público da Vara de Delitos de Organizações Criminosas, Francisco Firmo Barreto de Araújo, exalta a importância do combate às práticas de tortura no âmbito criminal. “A garantia dos direitos humanos é muito valiosa para toda a nossa sociedade e especialmente para o sistema de justiça. Todos devem ter garantidos os direitos fundamentais estabelecidos na nossa Constituição Federal. Não podemos tolerar práticas como estas nos dias atuais. A eventual prática de tortura deve ser, devidamente, apurada, respeitando-se os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa de todos os suspeitos”, assevera.
Os três réus foram condenados com penas que variaram de 11 a 16 anos, contudo, após apelação pela nulidade do processo, foram absolvidos. Os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do TJCE decidiram pela anulação da condenação dos três réus, entendendo que todos os atos subsequentes à ação na casa do primeiro indivíduo são ilícitos diante dos atos praticados pelos policiais que macularam todos os elementos de prova colhidos na investigação, seguindo a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada. Por ela, se traduz a ideia de que, uma vez obtida a prova por meio ilícito, todas as demais provas dela decorrentes, conhecidas como provas por derivação, também são consideradas ilícitas. É como a metáfora: se a árvore está envenenada, todos os seus frutos também estarão.
Supervisor das Defensorias Criminais, o defensor público Manfredo Rommel Candido Maciel reconhece a importância da decisão e reitera o papel da DPCE como órgão que promove a guarda dos direitos humanos. “Essa decisão é um reconhecimento judicial da existência da tortura como prática de alguns policiais. Nós das defensorias públicas criminais estaremos sempre atentos não só na defesa judicial dos hipossuficientes, mas sobretudo no combate à tortura e na promoção dos direitos humanos!”, ressalta.
Protocolo de Combate à Tortura – A Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará (DPCE) instaurou em 2021 uma orientação inédita à atuação das defensoras e defensores para detectar casos de tortura e outras violências. Editada pela defensora geral Elizabeth Chagas, a medida é fruto de articulações com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Associação de Prevenção à Tortura (APT), organização não governamental de origem internacional e referência mundial na temática.
O protocolo e um formulário foram elaborados para defensores e defensoras cearenses conseguirem identificar e registrar com mais facilidade casos de agressão, abuso, tortura, violência psicológica ou outro tratamento cruel – e, assim, fazerem os encaminhamentos necessários a cada tipo de ocorrência.
Comentários vexatórios, ameaças à família, constrangimentos e toques não consentidos são exemplos do que agentes de segurança não podem fazer, além, claro, da agressão física. Ocorrências com mulheres também precisam de atenção especial. Em geral, alerta a APT, elas sofrem tortura ligadas ao corpo em questões de desnudamento, falas libidinosas etc. Por isso, tanto o protocolo quanto o formulário dispõem de seções exclusivas para demandas de gênero.
Também há no documento o componente de raça, já que boa parte do público da Defensoria é de pessoas negras, moradoras de periferia e em situação de vulnerabilidade. Apenas Ceará e Pernambuco até o momento estão replicando a experiência.
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