Dandara, Sepé Tiaraju e Teresa de Benguela... nomes de personalidades desconhecidos para a maioria dos brasileiros! Alguns até poderiam ter ouvido falar neles, porém não saberiam mensurar o grau de sua importância para a construção do País.
A primeira, guerreira negra do Período Colonial Brasileiro, tornou-se líder quilombola após a morte de seu marido, Zumbi dos Palmares, no Século XVII; o segundo, importante guerreiro indígena lutou contra o massacre dos guaranis pelas tropas de Portugal e da Espanha, após o Tratado de Madri, no Século XVIII; a terceira, tornou-se rainha de um grande quilombo e liderou não só a comunidade negra, como também a indígena na região de Mato Grosso, resistindo à escravidão por duas décadas até sua completa destruição em 1770.
Afinal, por que o Brasil os desconhece? Simplesmente, porque são heróis que pertencem ao outro lado da História, àquela que não foi contada, mas ocultada dos registros escritos e imagéticos: a história dos heróis de resistência. Tema abordado, justamente, pela Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira que se tornou a campeã do Carnaval 2019 do Rio de Janeiro.
Com o enredo “História para Ninar Gente Grande”, ela trouxe para a avenida “um olhar para a história do Brasil interessado nas páginas ausentes. A história de índios, negros e pobres, heróis populares que não foram para os livros, gente que a gente não aprende na escola”, segundo afirmou o carnavalesco, que assinou o enredo, Leandro Vieira.
Para o pesquisador e especialista em imagens, professor Jack Brandão (foto), o fato de a Mangueira ter ganhado o carnaval, abordando um tema tão atual e importante para ser explorado, é algo extremamente positivo. “O enredo da escola nos convida a repensar como nossa história foi, é e está sendo construída; e como é preciso vê-la criticamente”, afinal “transformamos em verdade absoluta aquilo que foi registrado. Isso acontece devido ao poder que a imagem e a palavra escrita possuem de monopolizar uma única versão da história como a verdadeira, desprezando as demais”.
O professor ressalta que não se trata de acreditar ou não naquilo que temos nos livros; precisamos, antes de tudo, “desenvolver um olhar crítico, para compreender que há muitas outras verdades, além daquela registrada, conforme a Mangueira exibiu em seu desfile. Sua comissão de frente, por exemplo, intitulada ‘O Brasil que não está no retrato’, constituiu-se um verdadeiro espetáculo com o intuito de desconstruir imagens de figuras históricas como Deodoro da Fonseca, Pedro Álvares Cabral e Dom Pedro I.”
Falando, por exemplo, a respeito do primeiro imperador, Jack Brandão convida a repensar a própria história da Independência do Brasil, de modo especial o papel secundário a que foi relegada a futura imperatriz, Maria Leopoldina. “Ela é registrada apenas como a mulher de Dom Pedro I, esposa infeliz de um mulherengo contumaz; no entanto, apagou-se, por completo, o protagonismo dela no processo que culminou com a Independência do Brasil, sendo ela uma de suas figuras-chave”.
Ainda de acordo com o pesquisador, é possível perceber como os detentores do poder, no decorrer da história, utilizam da palavra e da imagem para criar sua própria realidade, desde que sejam eles seus protagonistas: “a imagem traça, muitas vezes, um caminho completamente dissociado da realidade, chegando, inclusive, a criar uma outra que eu chamo de para mundo. Essa distorção aumenta, à medida que o homem vai descobrindo outras facetas do poder imagético, como a da propaganda que, ao contrário do que muitos pensam, não é uma invenção contemporânea, mas que já existia na Antiguidade”.
Jack Brandão cita o exemplo do faraó Ramsés II que quase foi apagado da História, na Batalha de Kadesh, após um ataque surpresa dos hititas e da dispersão de suas tropas; mas que, por pura sorte, tenha escapado. No entanto, ele tirou proveito do acontecimento, mandando gravar em diversos monumentos e templos seu grande trunfo: ter enfrentado sozinho um exército de vinte mil inimigos! De quase derrotado, transformou-se em vencedor e protagonista!
Deve-se, portanto, segundo o pesquisador, exercitar o olhar e o pensamento críticos como forma de resgatar os versos apagados pela história, como diz o trecho do samba enredo da escola de samba carioca: “A Mangueira chegou/Com versos que o livro apagou”.
Sobre Jack Brandão - Doutor pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes pictográficas, escultóricas e fotográficas. Autor de diversos artigos e livros sobre o tema no Brasil e no exterior. Coordenador do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS Imago Lab e editor da Lumen et Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem.
Afinal, por que o Brasil os desconhece? Simplesmente, porque são heróis que pertencem ao outro lado da História, àquela que não foi contada, mas ocultada dos registros escritos e imagéticos: a história dos heróis de resistência. Tema abordado, justamente, pela Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira que se tornou a campeã do Carnaval 2019 do Rio de Janeiro.
Com o enredo “História para Ninar Gente Grande”, ela trouxe para a avenida “um olhar para a história do Brasil interessado nas páginas ausentes. A história de índios, negros e pobres, heróis populares que não foram para os livros, gente que a gente não aprende na escola”, segundo afirmou o carnavalesco, que assinou o enredo, Leandro Vieira.
Para o pesquisador e especialista em imagens, professor Jack Brandão (foto), o fato de a Mangueira ter ganhado o carnaval, abordando um tema tão atual e importante para ser explorado, é algo extremamente positivo. “O enredo da escola nos convida a repensar como nossa história foi, é e está sendo construída; e como é preciso vê-la criticamente”, afinal “transformamos em verdade absoluta aquilo que foi registrado. Isso acontece devido ao poder que a imagem e a palavra escrita possuem de monopolizar uma única versão da história como a verdadeira, desprezando as demais”.
O professor ressalta que não se trata de acreditar ou não naquilo que temos nos livros; precisamos, antes de tudo, “desenvolver um olhar crítico, para compreender que há muitas outras verdades, além daquela registrada, conforme a Mangueira exibiu em seu desfile. Sua comissão de frente, por exemplo, intitulada ‘O Brasil que não está no retrato’, constituiu-se um verdadeiro espetáculo com o intuito de desconstruir imagens de figuras históricas como Deodoro da Fonseca, Pedro Álvares Cabral e Dom Pedro I.”
Falando, por exemplo, a respeito do primeiro imperador, Jack Brandão convida a repensar a própria história da Independência do Brasil, de modo especial o papel secundário a que foi relegada a futura imperatriz, Maria Leopoldina. “Ela é registrada apenas como a mulher de Dom Pedro I, esposa infeliz de um mulherengo contumaz; no entanto, apagou-se, por completo, o protagonismo dela no processo que culminou com a Independência do Brasil, sendo ela uma de suas figuras-chave”.
Ainda de acordo com o pesquisador, é possível perceber como os detentores do poder, no decorrer da história, utilizam da palavra e da imagem para criar sua própria realidade, desde que sejam eles seus protagonistas: “a imagem traça, muitas vezes, um caminho completamente dissociado da realidade, chegando, inclusive, a criar uma outra que eu chamo de para mundo. Essa distorção aumenta, à medida que o homem vai descobrindo outras facetas do poder imagético, como a da propaganda que, ao contrário do que muitos pensam, não é uma invenção contemporânea, mas que já existia na Antiguidade”.
Jack Brandão cita o exemplo do faraó Ramsés II que quase foi apagado da História, na Batalha de Kadesh, após um ataque surpresa dos hititas e da dispersão de suas tropas; mas que, por pura sorte, tenha escapado. No entanto, ele tirou proveito do acontecimento, mandando gravar em diversos monumentos e templos seu grande trunfo: ter enfrentado sozinho um exército de vinte mil inimigos! De quase derrotado, transformou-se em vencedor e protagonista!
Deve-se, portanto, segundo o pesquisador, exercitar o olhar e o pensamento críticos como forma de resgatar os versos apagados pela história, como diz o trecho do samba enredo da escola de samba carioca: “A Mangueira chegou/Com versos que o livro apagou”.
Sobre Jack Brandão - Doutor pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes pictográficas, escultóricas e fotográficas. Autor de diversos artigos e livros sobre o tema no Brasil e no exterior. Coordenador do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS Imago Lab e editor da Lumen et Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem.
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