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A tornozeleira e a jumenta

No Sítio Matões de Cima, próximo ao Riacho do Meio, morava Zé das Cabaças, assim conhecido por motivo demais afim; na frente de casa havia um pé de cabaça (cabaceira), debaixo do qual passava o dia trabalhando com elas, partindo-as ao meio para fazer cuia (coité) – recipientes feitos dessa casca dura e impermeável, dele recebendo lixa, pintura e cuidados. Vendia muitas cuias na feira, aos domingos, não apenas para uso das famílias como vasilhame de armazenar e transportar água e alimentos, mas porque, segundo a sabedoria popular, a criança recém-nascida que tomar o primeiro banho em uma cuia virgem (nova) será um adulto posses, rico.

Acontece que o Zé das Cabaças, quando bebia, gostava de ir para a Rua do Distrito arrumar arenga com outros moradores, dessas brincadeiras sem graça, de mau gosto. Numa delas, puxou faca pra seu Chico Lumbriga, como era conhecida a vítima, muito alta e magra; seu Chico foi furado na altura das cruzes (ombros), por motivo fútil, e levado às pressas ao hospital da municipalidade. Situação inspirou cuidados, golpe profundo.
Do outro lado da rua onde morava Zé das Cabaças, na calçada da bodega de Zé da Onça, residia um sujeito alcunhado “Tranca Rua”, que, de batismo chamava-se Francisco Laurentino, alto, bem espaduado, privilegiado na musculatura, de vez que, até pouco tempo atrás, tinha por ofício trabalhar de ajudante de caminhão. Tranca Rua carregava e descarregava estivas e cereais. Certa feita, com já umas quatro na cabeça, Tranca foi tomar as dores do seu Lumbriga, pela facada que levou, e apanhou igualmente de Zé das Cabaças. A polícia chegou e levou o agressor para a delegacia. Zé, fino artesão das cuias, agora preso.

Quando da audiência de custódia, o juiz pediu para ver as mãos do acusado de dar uns cacetes em Tranca Rua e logo observou tratar-se de um homem trabalhador, por conta dos calos. Observando-lhe as certidões criminais, todas negativas. Zé das Cabaças era primário. Logo lhe foi atribuída a condição de permanecer em liberdade, na condição de usar tornozeleira eletrônica.

Zé das Cabaças, agora, em casa.
Meses mais, chega uma correição do Conselho Nacional de Justiça para o Fórum local; era uma pesquisa que estava sendo feita sobre a mudança no comportamento social dos usuários de tornozeleiras, queriam saber da eficiência (ou ineficácia) da referida medida judicial. Os serventuários, em sala separada do movimento forense, passaram a observar, através de GPS, o vai-e-vem desses usuários, levando em consideração seus movimentos: quado se afastavam do local onde moravam; se iam à rua (centro da cidade); a que horas paravam de se locomover; se estavam próximos ao local de trabalho...
Em meio aos registros coletados, um serventuário identificou uma certa movimentação como sendo do Zé das Cabaças. Pelo que conseguiram apurar, tratava-se de “um preso bem comportado”. Pelo ziguezague observado na roça, o dia era de intenso trabalho; locomovia-se de um lado para o outro, incessantemente, totalmente absorvido na labuta, e só parava por volta das 17 horas. Com isso, formou-se logo o entendimento de que a tornozeleira estava fazendo uma grande revolução no sistema prisional, a tirar pelo comportamento “exemplar” de Zé das Cabaças. Tornozelados, pois, de parabéns.

Com tão alvissareiras informações, promotoria, defensoria pública e outras autoridades resolveram fazer um grande evento na comarca para comprovar a maravilha que eram as tonozeleiras. Marcaram uma apresentação do bem-sucedido case do Zé. Muita gente convidada. Enviaram oficial de justiça à casa do mestre das cuias para que ele comparecesse ao ato, na condição de protagonista. Tudo acertado praquela data. Pessoal do fórum crente que a solução da redução criminalidade do mundo estava ali.
Tão logo chegou ao recinto, Zé foi recebido pelo juiz da comarca com forte abraço e congratulações. Zé das Cabaças meio que sem entender o que de fato está ocorrendo. Zé estirou a mão e cumprimentou o Dr. Juiz, dizendo-se espantado com o burburinho de gente:
- Doutor, não sei bem o motivo de estar aqui com esse montão de gente, eu podendo estar junto das minhas nêga, tomando umas e outras...

O juiz se espanta diante do que ouve, e retruca:

- Como é que é, Zé das Cabaças? Você anda bebendo por aí? - retrucou forte o juiz.

- Sim, senhor! Nunca deixei de beber, e bebo todos os dias. Trabalho pouco e bebo muito. Bebo e boto boneco com quem passa na rua e ainda dou uns cocorotes quando estou espritado...

O semblante das autoridades era de admiração e decepção diante da conversa que hora ouviam. Afinal, estavam todos ali para conferir um resultado positivo do uso das tornozeleiras. Porém, pela narrativa do usuário, o equipamento nada tinha de eficiente. Aquele evento não fazia sentido.

Foi então que o promotor de justiça pediu ao juiz para falar com o usuário. O juiz anuiu e o representante do Ministério Público indagou:

- Senhor José, me diga como e onde o senhor passa o dia, então?

- Dormindo ou bebendo, botando boneco na rua. Ontem mesmo e furei dois. Pensei até que tinham me chamado aqui para falar sobre isso.

O promotor, diante da resposta inusitada, disse:

- Como o senhor explica as informações que nos chegaram, dando conta de que você passa o dia no seu roçado, em intensa movimentação, inclusive dormindo no local?

- Dotozim, o seguinte é esse... Logo que eu saí daqui com essa geringonça no calcanhar, enfiei ela, com muito jeito para não quebrar, na canela da minha jumenta lavrada. Como ela passa o dia e a noite no roçado, vocês devem ter pensado que era eu. É Tonha!
Muitos da sala não aguentaram e começaram a rir; outros, vindos de mais de longe, ficaram furiosos com a falta de diligência mais apurada dos serventuários e preparo dos organizadores do evento. Estavam diante de equívoco gigantesco...

  • Escritor e empresário Assis Cavalcante.


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