Considerado marco para os direitos humanos no Brasil e usado como modelo mundo afora, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) chega nesta quarta-feira (13 de julho de 2022) aos 32 anos.
Após mais de dois anos de Pandemia da Covid-19, pesquisadores ainda se debruçam sobre os dados para mensurar os prejuízos em diversas áreas, como evasão escolar, violência doméstica e coberturas vacinais, mas destacam que o estatuto continua a apontar o caminho para a proteção integral das crianças e adolescentes.
Especialista em Proteção da Criança no Fundo das Nações Unidas para a Infância no Brasil (Unicef Brasil), Luiza Teixeira considera que as crianças e adolescentes foram quem mais sofreram os efeitos da Pandemia de forma indireta, devido ao isolamento social, à superlotação das Unidades de Saúde e à suspensão de Serviços da Rede de Proteção. Tudo isso se soma ao fechamento das escolas para conter a propagação do vírus, o que, além da educação, impactou na Saúde Mental de Crianças e Adolescentes.
- Durante estes tempos excepcionais, os riscos de maus-tratos, negligência, violência física, psicológica ou sexual, discriminação racial, étnica ou de gênero e ainda o trabalho infantil foram maiores do que nunca para meninas e meninos. E com o aumento da pobreza, elas e eles ficaram ainda mais expostos às violências e às discriminações", afirma.
Essas foram algumas das áreas em que o ECA mais tinha promovido avanços desde 1990, quando foi promulgado. Naquele ano, uma em cada cinco crianças e adolescentes estava fora da escola; a cada mil bebês nascidos, quase 50 não chegavam a completar um ano; e cerca 8 milhões de crianças e adolescentes de até 15 anos eram submetidos ao trabalho infantil.
Passadas três décadas, o percentual de crianças e adolescentes fora da escola havia caído de 20% para 4,2%, a mortalidade infantil chegou a 12,4 por mil, e o trabalho infantil deixou de ser uma realidade para 5,7 milhões de crianças e adolescentes. Esses números, porém, são todos de antes da Covid-19 chegar ao Brasil.
Uma pesquisa publicada pelo Unicef no ano passado mostrou que mais de 5 milhões de meninas e meninos de 6 a 17 anos não tinham acesso à Educação no Brasil em novembro de 2020.
- Desses, mais de 40% eram crianças de 6 a 10 anos, faixa etária em que a educação estava praticamente universalizada antes da Pandemia, diz Luiza Teixeira.
- Conhecer o Estatuto da Criança e Adolescente é fundamental para que elas sejam vistas e tratadas como sujeitos de direito por suas famílias, comunidade e pelo Poder Público. É importante, ainda, avaliar as políticas para a Infância e Adolescência implementadas a nível nacional e local, pensar em um plano de prevenção das violências, e fortalecer as capacidades do Sistema de Garantia de Direitos para prevenir e responder às violências de forma eficaz", afirma Luiza Teixeira.
Violência - O Unicef destaca que, mesmo antes da Pandemia, a violência estava entre os maiores desafios para garantir os direitos das crianças e adolescentes brasileiros. Uma publicação do fundo das Nações Unidas e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lançada em 2021, apontou que, entre 2016 e 2020, houve quase 35 mil mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes. O cenário mapeado pelo estudo trazia um aumento da violência, com os dados mostrando 27% mais mortes entre crianças de até 4 anos e 44% dos crimes acontecendo na residência das vítimas.
- A Escola se configura como um espaço de proteção, onde é possível observar mudanças de comportamento que podem indicar sinais de violência e realizar o devido encaminhamento para operadores do Sistema de Garantia de Direitos, incluindo o Conselho Tutelar, os Serviços de Saúde, e os centros de Referência Especializados de Assistência Social", destaca Luiza Teixeira.
Para o secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos, Maurício Cunha, a violência é o maior desafio na promoção dos princípios garantidos pelo ECA, problema que precisa ser enfrentado com maior integração dos órgãos responsáveis pela proteção de crianças e adolescentes e empenho das famílias e de toda a sociedade.
- A criança e adolescente são o público no Brasil que mais sofre violência. Posso falar isso com segurança, porque a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos fica no nosso ministério, e a maior parte das denúncias de violação de direitos são de crianças e adolescentes. São o público mais vulnerável. Colocaria esse como o maior desafio, e, dentro disso, o fato de que a violência, em mais de 80% dos casos, é intrafamiliar", afirma. "No Brasil, morrem mais de 7 mil crianças por ano vítimas de violência, vitimas de agressão. A sociedade é extremamente violenta contra crianças e adolescentes".
Pandemia - Nos 32 anos do ECA, Cunha avalia que houve avanços em todas áreas, mas muitas delas sofrem com retrocessos desde o início da Pandemia. Ele conta que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos firmou uma parceria com a Universidade de Brasília para a produção de um estudo amplo que mensure as perdas desde 2020.
- Houve um retrocesso de cerca de 10 anos no acesso à educação. Temos identificado fortemente um aumento nos casos de sofrimento psíquico, automutilação, suicídio, problemas de ordem psicológica, diminuição da cobertura vacinal e aumento do trabalho infantil, que era um tema em que o Brasil tinha avançado muito e na Pandemia houve um aumento. Mas ninguém sabe ainda o impacto real da Pandemia sobre a Infância", diz.
Para Cunha, seja qual for esse impacto, o caminho a seguir está indicado no ECA, que define os direitos da criança e do adolescente como prioridade absoluta para as Políticas Públicas.
- O ECA é considerado uma lei bem completa, mas é uma lei diretiva. Ela aponta o caminho que a sociedade quer trilhar. Não dá uma resposta imediata aos problemas da criança e do adolescente, mas diz o norte que a sociedade quer alcançar".
Uma das dificuldades para avançar nesse sentido é garantir orçamento para que essas políticas de fato tenham caráter prioritário.
- Como a criança não faz passeata, não vota e não tem sindicato, muitas vezes os governantes se veem pressionados a colocar recursos em outras áreas", disse Cunha, que diz que os benefícios de priorizar a criança chegam a toda a sociedade.
- O melhor investimento em Política Pública é a área da criança. Para cada real investido na Primeira Infância, de 0 a 6 anos, isso retorna sete vezes, a médio e longo prazo, com menos internações, menores índices de repetência, menos adolescentes no sistema socioeducativo".
Lei 'irmã' do SUS - Coordenadores do Observa Infância, Cristiano Boccolini e Patrícia Boccolini se dedicam a estudar as mortes infantis que poderiam ser evitadas com cuidados como a Vacinação e o Aleitamento Materno. Cristiano disse que o Brasil foi um dos países que mais tiveram sucesso na redução da mortalidade infantil até 2015, mas, desde então, o quadro é de estagnação, com uma piora em 2021.
- O cenário atual é preocupante, e a gente precisa lançar mão dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e do ECA para garantir o acesso igualitário e universal das nossas crianças e gestantes aos Serviços de Saúde", diz.
Boccolini estima que uma a cada três mortes na Primeira Infância poderia ser evitada.
Instituídos no mesmo ano, o ECA e o SUS são leis irmãs que se complementam na garantia dos direitos das crianças e adolescentes à Saúde e fundamentam uma série de políticas de proteção, disse o pesquisador.
- A Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, que garante a proteção das mães e famílias contra o marketing abusivo de fórmulas e produtos que competem com aleitamento, a estratégia Amamenta e Alimenta Brasil, o Hospital Amigo da Criança, o Método Canguru, a Rede Cegonha e várias outras ações", exemplifica.
Vacinação - Patrícia Boccolini diz que, entre os direitos que devem ser garantidos à criança e ao adolescente no Artigo 4° do ECA estão o direito à Saúde e à Vida, o que inclui protegê-las contra as doenças que podem ser evitadas com Vacinas. Ela cita o exemplo do sarampo, que, depois de ter sido erradicado, causou mais de 20 mortes de crianças de até 5 anos no país desde que voltou a circular, em 2019, o que é atribuído à queda da cobertura da Vacina Tríplice Viral.
- Esse Artigo Quarto é central, porque, segundo ele, as crianças deveriam ter absoluta prioridade. E, nessa situação em que a gente observa queda nas Coberturas Vacinais, aumento de incidência de casos, hospitalizações e mortes, as crianças deveriam estar sendo priorizadas com aumento de Campanhas Vacinais e várias ações, como observar quais estados e municípios estão com menores coberturas para atuar especificamente nesses locais".
Assim como o Sarampo, todas as outras doenças preveníveis por Vacinas já disponíveis no SUS poderiam voltar a circular se as Coberturas Vacinais continuarem abaixo das metas. Essa é a avaliação do presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, Renato Kfouri.
- Temos muito receio da difteria, da rubéola e da paralisia infantil. O Brasil hoje é considerado como alto risco de reintrodução de pólio pela Organização Mundial da Saúde. Israel teve casos de pólio, foram detectados Poliovírus na Inglaterra e em países da África que estavam sem circulação de pólio. Nossas Coberturas Vacinais propiciam a circulação do vírus, que está por aí em alguns países. O risco é grande. É uma temeridade voltarmos a ter casos de paralisia infantil", disse Kfouri.
Kfouri diz que a queda nas Coberturas Vacinais é observada desde 2015, situação que se agravou com a Pandemia de Covid-19, quando o medo de Unidades de Saúde e o distanciamento social afastaram as pessoas dos Postos de Vacinação. Somada a isso, a Propaganda Antivacina pode também trazer reflexos à proteção de crianças e adolescentes.
- A propaganda antivacinista foi especificamente com as Vacinas da Covid, mas não há dúvidas de que acaba afetando as demais Vacinas e a confiança das pessoas nas Vacinas. Um dos principais pilares do sucesso de um programa de Vacinação é a confiança", diz ele, que afirma que é preciso melhorar a Comunicação dos benefícios da Vacinação.
Para o médico, o ECA contribuiu para que fossem atingidos os patamares que o Programa Nacional de Imunizações alcançou desde a década de 1990. O estatuto tem um parágrafo sobre o tema no Artigo 14°, que determina ser obrigatória a Vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.
- Entre as inúmeras conquistas que o ECA trouxe na defesa da Saúde da criança e do adolescente está o direito de ter um Calendário Vacinal adequado".
Ministério da Saúde - O Ministério da Saúde informou que disponibiliza 18 Vacinas para crianças e adolescentes no Calendário Nacional de Vacinação. Os imunizantes são oferecidos gratuitamente à população nos Postos de Saúde. Para ser vacinada, basta levar a criança a uma Unidade Básica de Saúde com o Cartão de Vacinação. O Cartão de Vacinação é o documento que comprova a Situação Vacinal da pessoa.
Para quem perdeu o Cartão de Vacinação, a orientação é procurar o Posto de Saúde onde recebeu as Vacinas para resgatar o histórico de Vacinação e fazer a segunda via. A ausência da Caderneta de Vacinação não impede que a criança seja vacinada.
Entre as Vacinas para crianças e adolescentes disponibilizadas pelo SUS estão:
- BCG.
- Hepatite B.
- Pentavalente.
- Arotavírus.
- Pneumo 10.
- Pólio.
- Tríplice Viral (Sarampo, Caxumba e Rubéola).
- Tetra Viral (Sarampo, Caxumba, Rubéola e Varicela).
Com informações e foto da Agência Brasil.
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