No Diário do Nordeste Digital-Theyse Viana e Thatiany Nascimento, ceara@svm.com.br
Na Avenida Mister Hull, ao lado do vai e vem frenético de veículos, mora uma senhora de 220 anos. Nasceu numa Fortaleza ainda Colonial, e boatos de que foi até anfitriã para Dom Pedro II por uma noite. Sabe-se lá. É fato, porém, que ela, a Chácara Salubre, está sob ameaça de morte. O último dos casarões da época pode ser demolido.
Com a estrutura condenada pela Defesa Civil municipal, a chácara, erguida em meados de 1800, ainda se põe de pé graças aos materiais artesanais resistentes com que se erguiam as construções do século XIX.
Os cômodos que já sediaram reuniões secretas contra a escravidão, lideradas pelo poeta e jornalista Antônio Bezerra de Menezes, estão hoje tomados por ruínas. Alvenaria desabada, telhado podre e móveis quebrados, símbolos de uma cidade que desvaloriza a própria memória.
- O imóvel está parcialmente em ruínas, a família vive numa situação precária, não tem condições de mantê-lo. São 9 irmãos herdeiros, 2 deles ainda vivem lá, mesmo depois que a Defesa Civil condenou. Não têm pra onde ir, estão abrigados num quartinho”, diz Cândido.
-Todo esse mundo da Fortaleza-vila, rural, existe apenas nessa chácara. A memória está lá, preservada, e apesar do arruinamento da estrutura, a restauração é totalmente possível. Cândido Albuquerque-suuperintendente Iphan/Ceará

Reportagem do Diário do Nordeste de 1993, resgatada em arquivo pela equipe de pesquisa do Sistema Verdes Mares, já mostrava a preocupação de historiadores e pesquisadores com o destino do espaço, “para que não fosse mais um alvo de destruição do patrimônio histórico”.

Em 2000, outra matéria relembrou o nome do abolicionista Antônio Bezerra, dono da chácara que batizou o bairro vizinho, antes chamado de “Barro Vermelho”. Vinte anos depois, em janeiro de 2020, o previsível de concretiza, e a Prefeitura “toma conhecimento da possibilidade de venda do imóvel”, como aponta o parecer de tombamento.

Miracy Ferreira Lima, de 72 anos, uma das herdeiras diretas da propriedade, relembra que algumas gerações "nasceram, cresceram e morreram" nas várias casas que havia dentro dos 2 mil m² da chácara.
- Todos nós, herdeiros, crescemos lá. A gente tinha vaca, cabra, boi, peru, galinha... Tinha açude, olho d'água, era um quarteirão inteiro. A família vivia da renda do sítio", rememora.

Júlio Francisco da Silva Neto, de 74 anos, cuja avó deixou a chácara e as memórias como herança, afirma que a família só descobriu que a propriedade está tombada provisoriamente quando fez o levantamento da “papelada” para vendê-la à construtora interessada.
Um dos herdeiros do casarão, ele hoje mora numa quitinete no bairro Joaquim Távora, e afirma que “nenhum dos filhos tem condições de fazer a reforma, e não podem alugar, vender, cortar uma árvore, nada”. “Com a venda, podemos comprar uma casa ou viver num canto melhor”, ele projeta.

A reportagem questionou a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) se há pedido de tombamento definitivo do imóvel e se já há planos de como preservá-lo. Em nota, a Pasta informou que “acompanha a situação” e que o processo de tombamento provisório está em andamento.
- Visitas têm sido realizadas ao local, reafirmando constante diálogo com as proprietárias, para que a melhor definição seja encaminhada”, finaliza a Secultfor.
as histórias dos escravos e das escravas do ceará.
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