Com sabor e tradição, o Beiju de Irará ganha status de patrimônio.
Reconhecimento oficial da iguaria destaca a trajetória de Nalvinha do Beiju e o papel das mulheres na cultura alimentar.
Nalvinha do Beiju, como é conhecida Marinalva Alves Martins Cerqueira, a mais famosa vendedora de Beiju no município de Irará, localizado a aproximadamente 133 quilometros de Salvador, está muito contente! É que a Câmara Municipal da cidade, famosa pela iguaria, aprovou o Projeto de Lei, que reconhece oficialmente o Beiju como Patrimônio Imaterial do município. A sessão foi marcada por emoção e unanimidade, segundo a sociedade local e Nalvinha logo se manifestou.
- Estou muito feliz pelo patrimônio do nosso Beiju Iraraense, o nosso patrimônio histórico do nosso município. E com muita alegria estou por aqui, me exaltando de alegria, porque comecei a fazer Beiju aos nove anos de idade e agora essa conquista. Muito obrigada, muito obrigada, sempre quero agradecer”, comentou, efusiva.
A conquista foi comemorada com especial sabor pela produtora cultural Bernadete Anunciação e pela fotógrafa Lucy Anunciação, idealizadoras do Festival Itinerante do Beiju, que há dez anos percorre comunidades rurais de Irará celebrando a cultura da mandioca, a gastronomia regional e os saberes tradicionais.
A conquista desse evento histórico está atrelada à vida da população local, que tem como produto base de sobrevivência a famosa iguaria, comercializada por parte da população.
Nau ou Nalvinha, como é carinhosamente conhecida, é uma delas. A comerciante faz parte de uma típica família, que vive da agricultura familiar. Seu marido e filhos lidam com a mandioca, de onde sai a massa para o preparo da farinha e da Tapioca, carro-chefe da família e marca registrada da mulher empreendedora conhecida como Nalva do Beiju.
- Aprendi com minha mãe e minha tia, mas meus avós já vendiam muito antes. Eu ajudava a minha bisavó e a minha avó. Os produtos eram vendidos todos os sábados na feira livre da cidade. Tenho 45 anos de profissão de Beiju, cresci no dia a dia fazendo Beiju, ajudando a minha mãe. Casei e continuei na lida do Beiju. Meu marido vendia a farinha e eu fazia Beiju”, conta.
O trabalho na roça envolvia os filhos de Nalvinha e o marido, que acompanhavam todo o processo.
- O tempo foi passando, a gente foi evoluindo, vieram os projetos dos pequenos produtores. Os meninos foram estudando e também ajudando. A verdadeira mão de obra familiar”, conta.
Com sua simplicidade, Nalva relata como tudo começou e diz, que a fama veio depois de muita labuta com o trabalho.
- Naquele tempo vinha muita gente de Salvador para fazer feira, os ônibus vinham lotados. Quando chegavam na entrada da rua, eu já começava a vender Beiju e o povo gritava. ‘Ô, Nalvinha do Beiju! Nalvinha do Beiju já chegou com o balaio de Beiju! Eu quero Beiju, Nalvinha!’. Eu botava o balaio no chão, despachava o povo, e ia até o Mercado Municipal. Quando chegava no Mercado, eu já tinha vendido o Beiju quase todo”, conta.
Criativa, foi Nalvinha quem inventou o Beiju colorido, que ela chama de Beiju nutritivo. À massa, misturam-se as folhas de couve, a beterraba ou a cenoura. A ideia veio em 2004, na primeira Feira da Mandioca da cidade.
- Um dia estava fazendo o arroz com a cenoura e o colorido me chamou a atenção. Então pensei: se tingisse o Beiju com a cenoura ou o açafrão, ele também ficaria colorido. Assim, na primeira Feira da Mandioca, resolvi dar um colorido à barraca com os Beijus tingidos de couve, cenoura e beterraba. A ideia não era comer os Beijus, mas o povo não aguentou ver e comeu tudo. No dia seguinte, tive, que arrumar tudo novamente”, informa.
Desde então os Beijus nutritivos de Nalvinha são um dos seus maiores sucessos, comercializados até hoje.
- Faço com recheio de banana-da-terra e canela, pode ser banana-da-terra e coco, com frango e as folhas da ora-pro-nóbis. Mas tem todo tipo de recheio. Banana-da-terra com carne de sertão, com carne do sol, banana-da-terra com queijo, com purê de aipim, com carne seca, banana-da-terra com canela, banana-da-terra com coco e queijo, galinha de quintal com maturi, carne seca com ora-pro-nóbis”, enumera.
O Beiju é o carro-chefe do município de Irará. No local, muitas mulheres sustentam as famílias vendendo a iguaria. Mas as mulheres, que participam das cooperativas para incrementar o negócio não tinham representatividade e acabavam vendendo os produtos em meio aos tantos trabalhos comercializados durante a Feira da Mandioca, evento ligado aos agricultores de um modo geral.
Quem reparou que o Beiju poderia ser a estrela da história foi a produtora cultural Bel Anunciação, que ao lado da irmã, Lucinha Anunciação, criou o Festival do Beiju.
- Em 2015 a gente viu a necessidade de valorizar mais o Beiju, a mulher, que faz o Beiju, porque já tinha a Feira da Mandioca, mas não representava muito a mulher. Representava os agricultores, homens e mulheres, mas não tinha o foco no eiju, uma iguaria importante também. Aí a gente fez o Festival Cultural como um intercâmbio também entre cidades, entre mulheres, que produzem Beiju em várias cidades da Bahia. Então, esse é o objetivo, promover o Beiju das mulheres de Irará e de outras cidades do estado”, revela Bel.
O espírito empreendedor da beijuzeira Nalva fez com que ela enxergasse o festival como uma oportunidade, assim como participou de tantos outros eventos, que pudessem promover a iguaria.
- Eu acreditei no projeto, que veio enriquecer a cultura das bejuzeiras do município. O Beiju é o carro-chefe do nosso município. Muitas mulheres sustentam suas famílias com o Beiju”, destaca.
E relembra como o festival acabou sendo uma grande referência para projetar a cultura do Beiju, entranhada nos costumes do seu povo e fruto da terra.
- Essa é a nossa comida da refeição, do nosso dia a dia. A gente foi criada com isso, a gente conhece. O ora-pro-nóbis, folha, que é riquíssima, o bredo, o maturi, que é a castanha verde, a galinha caipira, de quintal, a gente vai misturando com o Beiju, é da gente, é da roça. Não tem química, a gente deve usar nossas coisas, da nossa região, fomos criados com isso”, diz, consciente do valor da iguaria.
E enfatiza a valorização do produto, que hoje tem reconhecimento no mercado como um alimento nutritivo e saudável.
- A Tapioca é uma comida típica daqui da zona rural. Eu mesma tomava café com Tapioca, mas feita diferente, num caco de barro, recheada com a carne de sertão, a carne do sol. A carne era assada na brasa e a gente botava na Tapioca, no Beijuzinho, que a gente fazia ali, na hora, para tomar café”, conta.
E Nalva do Beiju fala dos novos tempos, do avanço do mercado, que valorizou o produto.
- Graças a Deus, com a renovação, hoje a gente faz esse Beiju. Na verdade, essa renovação não foi uma descoberta. A gente colocou em prática o que a gente já fazia há muito tempo”, reflete.
E para homenagear as mulheres, a aguerrida Nalva do Beiju nos brinda com um delicioso Beiju nutritivo tingido com folha de couve.
Receita do Beiju (ou Tapioca) nutritivo-Ingredientes:
- 1 folha de couve
- 10ml de água
- 100g de goma seca (fécula da mandioca)
- 25g de carne seca (triturada)
- 25g de queijo
- Sal a gosto
- 1 fatia de banana-da-terra desidratada
- Manteiga a gosto
Modo de preparo: Triture a folha de couve no liquidificador com a água até ficar homogênea. Misture a goma seca com a couve já triturada. Após misturar a goma com a couve, passe em peneira fina. E está pronta a massa do Beiju nutritivo.
Preparo do Beiju: Em frigideira antiaderente pré-aquecida, espalhe três colheres de Tapioca de forma circular. Espere assar, vire e acrescente o recheio, que pode ser banana-da-terra, queijo e carne. Dobre em forma de pastel e pincele com manteiga. E pode degustar!
- Com informações de Isabel Oliveira e fotos de Lucy Anunciação.
- Esta reportagem foi publicado em 2022 e reeeditada em 2025 com as novas informações sobre o Beiju como Patrimônio Imaterial.
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